Felipe Recondo
da Agência Estado
Opinião é do ministro Carlos Ayres Britto, que concedeu liminar suspendendo alguns artigos da Lei
Responsável pela liminar que derrubou 22 pontos da Lei de Imprensa, de 1967, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto admite a possibilidade de propor, no julgamento final do caso, a suspensão integral da lei. Caso identifique que todos os pontos afrontam a Constituição de 1988, proporá a derrubada integral da lei. "Se eu chegar à conclusão de que nenhum dispositivo escapa, sem dúvida proporei isso", afirma o ministro. A liminar foi concedida na quinta-feira, a pedido do PDT. O julgamento do mérito da ação, quando a lei pode perder a validade, ainda não tem data definida.
Pergunta - Com essa decisão do sr., a lei está adequada à democracia?
Carlos Ayres Britto - Não, não está. É uma lei que nasceu de uma ordem constitucional que se contrapõe à ordem constitucional de hoje, da era 1988. Por isso que muitos de seus dispositivos entram em rota mortal de colisão com a atual Constituição.
Pergunta - Por que, ministro?
Ayres Britto - A lei cuida da imprensa e tem por objeto de regulação a imprensa, mas a partir de uma ordem constitucional que não tinha a imprensa na mais alta conta. E agora a ordem constitucional tem a imprensa na mais alta conta. Então é natural que a lei esteja em descompasso com a atual Constituição. A Constituição fez da imprensa uma irmã siamesa da democracia. As duas caminham juntas. Uma se alimenta da outra, uma é serviente da outra. É uma relação de mútuo proveito.
Pergunta - Não demorou, ministro, para alguém contestar essa lei?
Ayres Britto - Pois é. São as coisas da vida. A lei prorroga a vida indevidamente de uma Constituição vencida. Em termos de imprensa, essa lei, em boa parte, não totalmente, prolonga a vida de uma ordem constitucional superada. O que foi que eu fiz? Entendi que, mesmo sendo uma lei de 1967, ainda assim urgia suspender certas decisões judiciais proferidas com base em alguns dispositivos dela porque não se pode perder nenhuma oportunidade de sair em defesa de uma instituição que é a imprensa, que a atual ordem Constitucional tanto preza. Então entendi que havia perigo na demora da prestação jurisdicional. Se eu não decidisse imediatamente poderia permitir que por mais alguns dias ou por mais alguns meses essa lei continuasse sendo aplicada.
Pergunta - Inclusive nessas várias ações da Igreja Universal.
Ayres Britto - Pois é isso. Havia periculum in mora (perigo da demora), sim. Por esse perigo na demora da prestação jurisdicional que eu resolvi afastar (artigos da lei). Agora é uma decisão que o plenário é que vai dar a última palavra. A minha decisão foi apenas um pronto-socorro jurídico à liberdade de comunicação e de informação.
Pergunta - Mas por que o sr. não optou por suspender toda a lei?
Ayres Britto - Havia pedidos alternativos. Eu acolhi um deles porque foi uma decisão singular. Eu resolvi suspender os processos e decisões que, a meu sentir, mais imediatamente cerceavam a liberdade de imprensa e a livre atuação profissional do jornalista. Outros aspectos mais abrangentes eu deixo que o Supremo aprecie no devido tempo.
Pergunta - É possível que toda a lei seja derrubada?
Ayres Britto - Ah, sim. Aí eu terei de fazer uma análise mais acurada, mais detida. E se eu chegar à conclusão de que nenhum dispositivo escapa, sem dúvida que proporei isso. Mas ainda não fiz essa análise, não dissequei toda a lei de imprensa.
Pergunta - Mas o senhor admite que há alguns artigos que continuam vigorando e que não condizem com a atual Constituição, como o que determina que jornais que "atentem contra a moral e os bons costumes" não podem circular?
Ayres Britto - Sem dúvida. Se na ação esse artigo estivesse, eu teria também atendido ao pedido. Outros artigos escaparam por enquanto, mas não resistirão por certo à análise detida à luz da atual Constituição. A Constituição atual é meritória superlativamente pelo modo como tratou a imprensa. A liberdade de expressão, a liberdade de comunicação, o acesso à informação, o sigilo da fonte, a proibição de censura, tudo isso é um punhado de comandos Constitucionais do mais alto valor. A imprensa é para ser azeitada, estimulada, desembaraçada. Sem isso não há democracia. Dois dos mais visíveis, vistosos pilares da democracia brasileira hoje são a informação em plenitude e de máxima qualidade e, em segundo, a visibilidade do poder, o poder desnudo.
Pergunta - Nesse sentido, a Constituição foi um avanço?
Ayres Britto - Isso é avanço. Foi a superação de uma época de obscurantismo, de autoritarismo, de atraso mental. A imprensa cumpre esse papel de arejar as mentes. Eu não me canso de dizer que o Brasil experimenta uma quadra de arejamento mental, de depuração mental por efeito da democracia. Quando fazemos uma viagem democrática, é uma viagem sem volta, não se admite retrocesso.
Pergunta - Seria melhor que o Congresso aprovasse rapidamente uma nova Lei de Imprensa?
Ayres Britto - Nós vivemos num mundo que se caracteriza pela velocidade das comunicações. As instituições interagem com rapidez, uma inspira a outra. Então quem sabe essa decisão sirva de motivação para o retomar da futura Lei de Imprensa. Que esse tipo de decisão sirva de motivação para esse retomar de estudos sobre o projeto de Lei de Imprensa que tramita no Congresso e tenhamos celeridade maior.
LEI DE IMPRENSA
O ministro Carlos Ayres Britto, do STF, determinou a suspensão de todos os processos ou decisões judiciais que tenham relação com 20 dos 77 artigos da Lei de Imprensa
O que é a Lei de Imprensa
- Sancionada em fevereiro de 1967 por Castello Branco, o primeiro dos generais-presidentes do regime militar (1964-1985), a lei trata da atividade de imprensa, com regras acerca de temas como direito de resposta e ações por danos morais e crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria).
- Também está repleta de normas cunhadas sob a inspiração da ditadura, tais como censura, apreensão e fechamento de jornais por mero ato administrativo e blindagem de autoridades em relação ao trabalho jornalístico.
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