quarta-feira, 11 de março de 2009

Os tentáculos da santíssima violação de leis e direitos

Em nome de Deus

Dom José Cardoso Sobrinho, arcebispo de Olinda e Recife, que me perdoe (ou não, o problema é dele), mas a atitude que tomou no caso do aborto da menina estuprada pelo padrasto leva a crer que vive nas trevas dos tempos da Inquisição. As declarações do severo guardião de Deus sobre a mãe da menina e dos médicos responsáveis pelo aborto foram absolutamente infelizes, desumanas e impiedosas. Da boca do arcebispo não saiu uma única palavra para condenar o monstro que estuprou a enteada desde os 6 anos de idade e a engravidou de gêmeos aos 9. Para ele estuprar crianças é pecado, mas do tipo leve.

Mais grave que esse tipo de violência sexual, afirma, é "o aborto, a eliminação de uma vida inocente." Por quem sois, dom José, quem é mais passível de castigo, o tarado infame ou os médicos, que, queira ou não, salvaram a vida da menina? Talvez o arcebispo não se lembre mais do que disse Cristo sobre os que atentam contra a inocência das crianças, coisa que aprendi nos velhos tempos do catecismo.

Aquela dura e impressionante condenação, aquela inapelável recomendação de que se amarrasse o tarado a uma pedra de moinho e em seguida o atirasse ao mar. Enquanto o tribunal de dom José expõe seu arcaico fundamentalismo, centenas de templos evangélicos, espíritas, umbandistas e outros menos votados seguem recolhendo legiões de ex-católicos indignados com a hipocrisia de padres e bispos que vivem num mundo irreal, absurdo e injusto.

Indiferente a isso, o arcebispo de Olinda e Recife segue acreditando que sua hóstia contém mais Deus. Lá nas alturas, rodeado de arcanjos, o Criador deve estar envergonhado do que fazem em seu nome. Cá em baixo, ficamos sem saber se devemos implorar ao diabo que proteja nossas crianças da ação criminosa e imperdoável dos padres pedófilos que nunca foram punidos pelas leis humanas e muito menos excomungados.

Angelo Prazeres
http://www.otempo.com.br/supernoticia/colunas/?IdEdicao=592&IdColunaEdicao=1406

Os tentáculos da santíssima violação de leis e direitos

por Fatima Oliveira*

A semana passada foi repleta de temas polêmicos e angustiantes na esfera política. ''Conversadeira'' de nascença, desejo palpitar em todos. É espacialmente impossível. No aspecto pessoal, estou no olho de uma pororoca.

(...) Vide o caso da menina de Alagoinha (PE), de 9 anos, violentada pelo padrasto, que engravidou de gêmeos. Correndo risco de vida, teve o duplo direito de interromper a gravidez. Por exercer seus direitos, foi excomungada, juntamente com a mãe, os profissionais de saúde que a atenderam e todas as pessoas que a socorreram em tão dolorosa situação. Ninguém merece os delírios do arcebispo de Recife e Olinda, dom José Cardoso Sobrinho, o excomungador!

Até o presidente Lula rompeu o silêncio com que tem agraciado a sua Igreja: ''Como cristão e como católico, lamento profundamente que um bispo da Igreja Católica tenha um comportamento conservador como este. Não é possível permitir que uma menina estuprada pelo padrasto tenha esse filho, até porque a menina corria risco de vida. Acho que, neste aspecto, a medicina está mais correta do que a Igreja. Eu estou dizendo que a medicina está mais correta que a Igreja, e fez o que tinha que ser feito: salvar a vida de uma menina de 9 anos''.
Discurso perfeito!

Compartilho uma ponderação do dr. Roberto Arriada Lorea, juiz de direito em Porto Alegre, meu colega no Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR): ''Merece atenção a resposta do arcebispo, quando afirma que a lei de Deus está acima de qualquer lei humana. Numa democracia, a lei de Deus não pode estar acima da lei dos homens, pois é dever do Estado garantir a igual liberdade religiosa de todos os cidadãos, respeitadas a diversidade de crenças e visões de mundo, inclusive daqueles que não creem. A excomunhão, portanto, serve de alerta. Se hoje os cidadãos não precisam temer represálias religiosas quando exercem seus direitos, é porque em 1890 foi decretada a separação Estado-igrejas, garantindo-se a inviolabilidade de consciência e de crença. Antes disso, a pena de excomunhão surtia efeitos no mundo jurídico, podendo vitimar os cidadãos com a chancela do Estado-juiz.

Naquele largo período da história brasileira, fundamentalistas religiosos, como o arcebispo de Recife e Olinda, tinham muito poder, pois pecar era ilegal. Está nas mãos do Congresso Nacional preservar a separação Estado-igrejas, rejeitando a concordata assinada por Lula e Ratzinger em 2008, a qual viola o artigo 19, I, da Constituição Federal, estabelecendo uma aliança com a Igreja Católica, colocando-a acima das demais religiões professadas no Brasil, em detrimento das liberdades individuais''.

*Fatima Oliveira, Médica e escritora. É do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e
Reprodução e do Conselho da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe. Indicada ao Prêmio Nobel da paz 2005
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=52150

Frei Betto: Igreja está 'encastelada' e não vê a realidade

Mais do que ter dificuldade para se adaptar à realidade atual, a Igreja Católica “fica encastelada em seu principismo abstrato”. A opinião é do frade dominicano e escritor Frei Betto.

Em entrevista à repórter Michelle Amaral, do Brasil de Fato, ele comenta os dois casos recentes envolvendo representantes da Igreja Católica: a excomunhão dos envolvidos no aborto da menina pernambucana de 9 anos e o afastamento do padre Luiz Couto de suas atividades eclesiásticas em decorrência das declarações controversas às da doutrina católica

Segundo Frei Betto, tais exemplos explicam como o conservadorismo ainda defendido pela Igreja — em contrapartida à realidade do povo — contribui para o afastamento de seus fiéis. Nas duas situações, o posicionamento da Igreja causou grande polêmica.

Dom José Cardoso Sobrinho excomunhou a mãe e a equipe médica que realizaram o aborto de uma menina de 9 anos, que foi violentada por seu padrasto e acabou grávida de gêmeos. Sem considerar os riscos que a menina corria, Dom José afirmou que cumpria uma lei católica.

No caso do padre Luiz Couto, Dom Aldo di Cillo Pagotto o suspendeu do uso de Ordem até que se retrate em público sobre declarações feitas por ele em uma entrevista, na qual defende o fim do celibato, o uso de preservativos e o combate à discriminação de homossexuais. O padre é também deputado federal e atual presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minoria (CDHM) da Câmara dos Deputados.

Confira a entrevista.

Como o sr. avalia a posição da Igreja Católica frente a estes dois recentes casos, da excomunhão (por Dom José Cardoso Sobrinho) pelo aborto da menina de 9 anos e do afastamento do padre Luiz Couto (por Dom Aldo Pagotto) por suas declarações controvérsias ao pensamento conservador católico?
Penso que demonstram a dificuldade de a Igreja Católica se adaptar à realidade atual. Comparo a atitude do arcebispo de Olinda e Recife com a de Jesus diante da mulher adúltera... Que diferença! Jesus foi capaz de compreender, perdoar, acolher.

Os médicos agiram corretamente, para salvar a vida da menina e evitar o risco de três mortes. E manifesto todo o meu apoio ao padre Luiz Couto, de quem sou amigo e admirador.

Dessa forma a Igreja se afasta da realidade vivida pelas pessoas atualmente?
Sim, a Igreja fica encastelada em seu principismo abstrato, sem considerar o que a teologia chama de "moral de situação", a partir da realidade concreta. Assim, os fiéis buscam outras denominações religiosas, onde se sentem mais acolhidos pela compaixão, o perdão, a misericórdia divina manifestada através de seus pastores. A cada ano a Igreja Católica perde, no Brasil, 1% dos fiéis.

Para um católico, o que representa a excomunhão?
A exclusão da instituição eclesiástica e da participação em seus sacramentos, jamais a ruptura com Deus e com o próximo.

As mudanças propostas por Luiz Couto fazem parte de um debate estabelecido por muitos segmentos da sociedade e da própria igreja. O senhor acredita que a polêmica em torno de seu afastamento, pode contribuir para que essas propostas ganhem mais força?
É bom esclarecer aos leitores que o padre Luiz Couto foi suspenso de ordens — proibido de celebrar os sacramentos — por defender o fim do celibato e da discriminação aos homossexuais, bem como o uso de preservativos. Acho que ele está coberto de razão.

A Igreja teve apóstolos casados, como Pedro (Jesus curou a sogra dele), e sacerdotes casados nos primeiros séculos. A vocação ao sacerdócio não coincide necessariamente com a vocação ao celibato.

Quanto à homossexualidade, defendo que é uma tendência natural do ser humano e, como tal, deve ser respeitada, e não discriminada ou condenada como ocorria em sociedades patriarcais, machistas, como as que estão espelhadas no Antigo Testamento. E concordo com o cardeal Arns quanto ao preservativo: é um mal menor frente à epidemia que leva à morte milhões de pessoas.

E como a Igreja deveria se posicionar?
Sempre em favor da vida e do amor, como o que une um casal do mesmo sexo.

De que forma a Teologia da Libertação contribui para as mudanças na forma de se praticar o cristianismo da Igreja Católica?
A Teologia da Libertação faz uma nova leitura das fontes da revelação cristã, como o Bíblia e a tradição da Igreja, assim como fizeram Santo Agostinho, no século 4, e Santo Tomás de Aquino, no século 13.

http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=52178

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